Apresentação

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sexta-feira, 28 de maio de 2010

Noite insone

Por Cyberella

Hoje, abrindo a carteira, encontrei uma foto sua. Devia estar lá há tempos, já nem me lembrava mais. Estranho olhar para você agora, meio amarelado, meio amarrotado, descascado, desbotado pelo tempo...
Não sei quanto tempo demorou para ficar assim, seu olhar apagado, esquecido no fundo da bolsa. Quanto tempo é preciso para se tornar amarrotado num fundo de bolsa? Anos, meses, semanas, dias, uma vida...?

Olho tua cara desbotada e me pergunto como você se resolveu sem mim. Como processou minha ausência, meu silêncio, meu cheiro nas tuas roupas, meus temperos na cozinha, meus perfumes no banheiro? De longe, e protegido pela luz da distância, me responde, como você resolve, ou não resolve, suas perdas? Será que houve alguma para você?

Aliás, foi bom ter surgido essa palavra assim, tão de repente. As minhas foram tantas, ao longo da vida, que às vezes desisto de contar. Mas desistir de contar não significa esquecer. É só uma questão de viver os lutos, conforme vão acontecendo em nossas vidas. Esse é o meu jeito de sair perdendo. Meu jeito mais sem jeito. Lembrando, pensando, chorando, refletindo, sentindo raiva, sentindo mágoa, sentindo saudade, sentindo fúria, sentindo ciúme, sentindo inveja, sentindo ódio, sentindo amor, sentindo tanto, pensando tanto, chorando tanto, revendo tanto, esquecendo tanto, lembrando, esquecendo de lembrar, chorando, chorando, chorando...
Até o dia em que chorar não acontece mais.

Não há caminho possível senão vivenciar a dança maluca dos sentimentos que afloram confusos, inoportunos, para que se identifique um a um e se veja o que é que sobra. Se sobrar, ótimo. Se não, jogamos tudo fora e começamos de novo. Só se enterra o morto depois de se ter chorado sobre o defunto.

Isso que faço agora aprendi com os animais feridos, que tantas vezes na vida socorri: lamber feridas; ao contrário de você, que prefere sempre encontrar alguém que as assopre. Sem dúvida, ter alguém que as assopre é bem melhor, a sensação de alívio é instantânea, mas como a natureza é sábia e os animais também, assoprar não cura, é preciso lamber o tempo todo, para que a cicatriz se feche, de dentro para fora. Com certeza, lamber dói mais, mas é cura certa. Um dia a ferida fecha e a gente nem se lembra mais da dor.

Soube que tua nova mulher é bastante sensata: advogada, gorda, e sofisticada. Nada pirada. Soube também que nunca pariu. Nem vai parir. Foi escolha tua, aposto. Útero preguiçoso. Me contaram que ela toma sorvete de limão e te deixa dormir em paz, não uiva pra lua, nem cheira tua cueca. Une femme comme il faut!

Acabo de me lembrar que a semana que vem é o teu aniversário. Pensei até em te ligar, mas a mulher do sorvete pode atender e azedar de vez a tua festa. Deixo pra lá.

E lá vem ele de novo, o meu desejo. Começa assim, sempre meio sorrateiro, não sei bem de onde vem. Se dos pés, do meu ventre arredondado, tantas vezes parido; se dos seios estufados, do cangote suado ou se do ciúme que sinto da anta estéril deitada amorfa na cama que já foi minha.

De olhos ainda fechados, imagino tua boca fina a beijar minha boca mediterrânea - la bella bocca fatta di zucchero e di cannella - sinto teu cheiro amoroso e me abro inteira para você. Devagar e sem graça, deslizo minhas mãos pela barriga. Minha pele arde e lateja. Te necessito em minhas urgências noturnas. Deslizo minhas mãos pelo meu corpo, como se fossem as tuas, procuro meus bicos intumescidos e meu sexo molhado na tentativa vã de iludi-los de que é você que volta. Mas você não volta.
Me afogo no travesseiro ao lado e adormeço entre soluços.

Preciso jogar tua foto no lixo.

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